25 de outubro de 2009

Para lhe cegar...


Então Andy e Larry Wachonski resolveram criar um filme de ação intelectualizado. Um mundo dominado por máquinas que retiram energia de seres humanos aprisionados docilmente em casulos. Para que essas baterias vivas se mantenham em seu estado vegetativo, as máquinas deram a elas uma simulação criada por computadores e levada à mente humana por cabos ligados ao sistema nervoso central. Esta simulação é a Matrix.

Um enredo complicado de entender, e como eu acabei de perceber mais complicado ainda de explicar. Esse enredo rendeu um dos filmes mais marcantes da história do cinema. Incriveis efeitos especiais, ação de tirar o fôlego, referências a clássicos da ficção científica -como Isaac Asimov e Philip K. Dick-, idéias retiradas das religiões mais diversas como budismo e cristianismo, além de citações de Jean Baudrillard. Esses são alguns poucos ingredientes desse sucesso de bilheteria.
Apesar de todos esses pontos, positivos ou não, uma coisa me incomoda nesse filme, uma farpa na cabeça por assim dizer. Segundo os Wachonski Matrix devia ser um grito contra o sistema no qual está inserido, um chamado contra o irreal que nos cerca, evidenciado até mesmo na escolha de adulterar o velho logo da Warner. Vendo por este ângulo, o filme deveria servir como um marco para guiar seus espectadores para fora do irreal, em direção ao deserto do real. Mas para mim dentro dessa toca tem mais do que um simples coelho branco.

Cenas onde as mortes se sucedem sem a minima comoção. O messias Neo dilacera sem piedade, compaixão ou remorso os pobres adormecidos que contavam com ele para serem libertos do terrivel cativeiro virtual. Violência pura, simples e banal que rende bastante bilheteria. Não havia mesmo alguma outra forma menos traiçoera para com seus irmão de raça para salvar Morpheus? Como em um video game -não vejo nada mais irônico- nosso herói e sua amada Trinity executam uma tremenda carnificina, e o Cypher vira vilão por menos de meia dúzia de mortes!

Depois de pensar por algum tempo nesses fatos meus olhos começam a doer, acho que estou estreando eles. Se estamos presos em Matrix, as máquinas não poderiam ter feito melhor mecanismo para nos manter quietos do que esse filme. Afinal, segundo o próprio Baudrillard em entrevista:
"A única chance de a realidade existir é não acreditarmos nela..." A película dos afamados irmãos se mostra um verdadeiro culto a simulação, promovendo não um pensamento revolucionário, mas sim cristalizador. Após o filme você procurou ler "Simulacro e simulação" ou imitou o bullet-time?

Enter in Matrix e seja bem vindo a simulação do irreal. O deserto do real fica longe daqui e se quiser chegar até lá meu palpite é seguir os passos das crianças e ignorar a dicotomia real/irreal. Mas Matrix é um filmaço!

16 de outubro de 2009

Wall-e um lirico no auge do consumismo!


Um robozinho amarelo com a missão de limpar o planeta Terra da sujeira deixada pela raça humana. Esse é Wall-e, uma criaturinha simpática, fofa, eficiente, dedicada em seu trabalho e acima de tudo deslumbrada. E é esse deslumbramento que faz desse personagem singelo uma fantástica criação de Andrew Stanton.

Ao se surpreender diante de cada nova descoberta de cada novo objeto achado, o antes automato catador de lixo vai ganhado uma personalidade de causar inveja a muito Humano por ai. Para Wall-e tudo é novidade, todo objeto, por mais simples que seja, é a porta para um novo mundo. Vendo o universo com os olhos de uma criança -ou de alguém que está ou esteve próximo a morte- o pequeno andróide amarelo nunca cai na rotina, nuca se deixa vencer pela mesmice que é catar e compactar todo aquele monte de lixo humano.

É esse espírito de renovação -essa rebeldia- que faz o nosso herói ultrapassar a barreira de sua programação mecanicista e alçar vôos mais altos. Rompendo as correntes que o amarram a sua repetitiva tarefa, o simpático robozinho ganha a capacidade de criar, de sentir, de alterar o mundo a sua volta e também o seu universo interior. Ver a beleza em um velho filme, criar um brinquedo a partir de uma batedor de ovos ou mesmo cultivar laços de amizade com uma barata são tarefas que só podem ser executadas por alguém capaz de enxergar além do que se vê. E ele consegue enxergar mais do que um monte de lixo, podemos dizer que ele não vê um monte de lixo, mas sim um monte de oportunidades, de novidades, curiosidades e mistérios interessantíssimos prontos para serem descobertos.

Já nós Humanos, que tivemos uma infância tão criativa, cheia de descobertas, chegamos a um ponto de nossas vidas onde não vemos mais novidades. É um dado momento onde a rotina é o que ocupa lugar na nossa retina, onde as novidades, por mais que se joguem aos nossos pés, nos passam desapercebidas. Escolhemos o mecanicismo, escolhemos um padrão que nos faz sobreviver mas nos tira todos os meios de viver. É o triunfo do produzir-consumir-destruir sobre o respirar-inspirar-transpirar.

Que vontade de resgatar a infâcia, de poder novamente deslumbrar-se com cada pequeno detalhe desse vasto universo. Imaginar novos mundos, desbravar os mistérios mágicos de um anel de plástico ou simplismente rir inocentemente do barulho de um pum. Na verdade essa vontade humana é a vontade de se libertar das amarras mecanicistas que a própria humanidade se impôs. Autômatos foi o que escolhemos ser, e talvez por isso tenhamos de fazer enormes esforços para deslumbrar, um pouquinho que seja, a iluminação que é o criar vindo da inocência.

Tomara que esse robozinho amarelo nos sirva de lição...

13 de outubro de 2009

Abril despedaçado


Direção: Walter Salles
Fotografia: Walter Carvalho

Ano: 2001

Obras cinematográficas são ferramentas incríveis. Cada filme, assim como cada ferramenta, tem o poder de realizar um trabalho especifico, e no caso dos filmes esse trabalho é realizado na alma. O serviço executado por esta obra de Walter Salles é o de aguçar os sentidos da alma.
O enredo carregado de lirismo, de uma poesia tristemente esperançosa, amplia a visão. Arregalando nossos olhos, fazendo-nos enxergar que, como bem diz Pacu, somos como os bois a mover a moenda, girando e girando sem ir alugar algum. Presos em um círculo sem saber o porque, mas tendo a certeza -sabe lá de onde vem essa certeza- que não podemos parar.
Guia nosso tato, remarca nossa pele. Deixa nossa alma pronta a sentir o leve toque dos mais diversos sentimentos, desde o riso de quem só chora -e por isso só faz chorar-, até o azedo rancor amarelado, encardido que teima em ficar apesar do passar do tempo.
Nos torna atentos ao doce cheiro da fantasia. Se o homem é o sal da terra, a fantasia há de ser o sal do homem. Traz a fragância doce e suave do lembrar das boas histórias, dos bons sonhos que nos permitem continuar a pensar no mar mesmo no meio do deserto.
Apura o paladar para que este prove não só a fria vingança, mas também a paixão, prato servido quente. E ainda nos faz ouvir aquele canto, aquele que lembra o das sereias, que nos faz mudar de rota. O canto que nos guia por um novo caminho, para uma mudança que nos desasna.
Agora sinto minha alma mais preparada para sobreviver, quem sabe um dia terei ela pronta para viver? O cinema vai me ajudar com certeza.